WITTENBERG E A FORMAÇÃO DE LUTERO

Caro estudante, leia o texto a seguir:

Essa pequena cidade de Wittenberg, com cerca de 2.500 habitantes, era a capital do Eleitorado da Saxônia, uma dignidade eleitoral outorgada pela Bula Dourada (1356), decreto que regulava as eleições imperiais. Quando Lutero chegou, o príncipe da Saxônia Eleitoral era Frederico III, conhecido como “o Sábio” (1463–1525).

Frederico não era apenas rico, mas também politicamente poderoso e astuto. Leal à linhagem dos Habsburgo, opunha-se, contudo, à expansão do poder imperial e à influência dos Estados vizinhos, o Ducado da Saxônia e Brandemburgo.

Frederico também viajava muito e tinha uma preocupação pessoal com o bem-estar, a educação, a terra e a igreja de seu povo. Na virada do século, estava envolvido na reconstrução do castelo, na igreja da Fundação de Todos os Santos e no estabelecimento da universidade.

Em 1485, a divisão da Saxônia nos territórios Ducal e Eleitoral deixara a Saxônia Eleitoral sem uma universidade, uma vez que a Universidade de Leipzig ficava na Saxônia Ducal. Por volta de 1503, Frederico obteve aprovação papal para a criação de uma nova universidade, à qual a Fundação de Todos os Santos serviria de apoio financeiro.

Frederico também aplicou recursos próprios na construção e, em 1508, publicou os estatutos da universidade. O estabelecimento, em 1502, do monastério agostiniano em Wittenberg por Staupitz proporcionaria à universidade boa parte de seu corpo docente.

Foi assim que Lutero veio a residir em Wittenberg. No início, cerca de duzentos alunos se inscreviam anualmente; após a explosão de notoriedade de Lutero, em 1517, ocorreu um aumento drástico no número de inscrições.

Certo estudante, falando a respeito desse período, afirmou que, se alguém quisesse uma educação, deveria ir a Wittenberg, mas se estivesse à procura de lazer, deveria ir para qualquer outro lugar.

A universidade era o orgulho e regozijo de Frederico; ele relutou muito em permitir que um dos professores mais distintos que tinha fosse queimado na estaca!

Além disso, Frederico investira uma boa quantia na promoção de Lutero ao doutorado, com base na promessa de que ele se dedicaria ao ensino da Bíblia por toda a vida. Permitir que essa vida terminasse de modo abrupto e antinatural teria sido um péssimo investimento.

Lutero começou a lecionar na universidade no inverno de 1513–14. O tempo e escopo exatos das preleções são incertos, porém, a sequência das aulas, até a controvérsia sobre as indulgências, incluía lições sobre os Salmos (1513–15), Romanos (1515–16), Gálatas (1516–17) e Hebreus (1517).

Nada como ter que explicar o texto a outros como meio de intensificar o próprio estudo do material! Lutero tinha a seu dispor uma boa livraria de comentários bíblicos, várias traduções bíblicas e, depois de 1516, a nova edição do Novo Testamento grego de Erasmo.

O foco intelectual de Lutero, porém, foi ainda mais aguçado por sua própria busca religiosa da certeza da salvação, uma resolução que se intensificou nesse contexto acadêmico.

Sua experiência de conversão foi, nas palavras de Gerhard Ebeling (1970), uma Sprachereignis, um acontecimento linguístico. O estudo intenso de Lutero da língua e gramática bíblicas, auxiliado por ferramentas linguísticas disponibilizadas pelos humanistas do Renascimento, mudou radicalmente seu entendimento da salvação.

Ele aprendeu que a justiça de Deus não é uma exigência cujo cumprimento deve ser conquistado, mas um dom a ser recebido pela fé. A experiência de conversão de Lutero virou a piedade medieval de ponta-cabeça, pois ele passou a enxergar a salvação não mais como o objetivo da vida, mas sim como seu fundamento.

Com base nessa descoberta, a faculdade de teologia da Universidade de Wittenberg instituiu uma reforma curricular que substituía a teologia escolástica por estudos bíblicos. Na primavera de 1517, Lutero escreveu a um amigo em Erfurt:

Nossa teologia e Santo Agostinho estão progredindo bem e, com a ajuda de Deus, tornaram-se proeminentes na universidade. Aristóteles está sendo gradualmente retirado do trono; sua condenação final é apenas uma questão de tempo […] De fato, ninguém pode esperar ter sequer um aluno caso se recuse a ensinar essa teologia, ou seja, aulas com base na Bíblia, em Santo Agostinho ou em algum outro mestre de eminência eclesiástica” (LW, 48, p. 42).

Luther’s works [As obras de Lutero], ed. Jaroslav Pelikan e Helmut T. Lehmann, 55 vols. St Louis: Concordia/Filadélfia: Fortress, 1955–86. [Referências textuais a volume e página. Assim, 31: 318 = vol. 31, p. 318].

O texto pode ser lido na íntegra na obra de: LINDBERG, Carter. História da Reforma. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

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